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12 dezembro 2013

João Victor - Por Élie Bajard


A reconstrução do próprio nome por João Victor de quatro anos de idade na classe de Daniele, relatada por Joice, é um fato importante. A criança realizou a tarefa tendo ao seu dispor os caracteres móveis de seu nome numa caixinha e ao alcance dos olhos, como modelo, uma tira com esse mesmo nome.
Não somente João Victor reconheceu seu nome na tira em meio de outras relativas aos dos colegas, como fez uma grande parte da turma, mas também se mostrou capaz de reconstruí-lo com caracteres móveis. Assim, copiou seu nome.
Tal tarefa se torna possível porque esse tipo de cópia não exige desenhar o caractere, apenas escolhê-lo e colocá-lo no lugar certo, gesto que se assemelha ao gesto do usuário do smartphone ou do tablete, que não desenha mais o caractere com lápis, mas clica no teclado virtual. É necessário notar que a tarefa infantil é mais complexa do que aquela do usuário do tablete, na medida em que João Victor deve escolher a orientação do caractere, enquanto o teclado virtual poupa o usuário dessa necessidade. Assim, vimos o João Victor apresentar o caractere /o/ na orientação errada, antes de colocá-lo na orientação certa, com a linha pontilhada embaixo. É preciso mencionar que o caractere móvel é um elemento “discreto”, manuseável pela criança, enquanto a escrita cursiva não apresenta o limite preciso do caractere.
Uma segunda circunstância facilita a tarefa de Victor. Como a abordagem da escrita escolhida pela professora Daniele não exige um pressuposto fonológico, a criança dessa idade - sem consciência fônica - pode cumprir a tarefa. É exatamente para essa tarefa que Celestin Freinet convidava seus alunos, ou seja, construir com os tipos da imprensa textos a serem impressos, colocando em jogo apenas gestos dos dedos, guiados pelos olhos. 
Essas condições de produção de escrita possibilitam o surgimento dessa competência infantil que não ocorria no passado com o uso do lápis e que não ocorre nos métodos vigentes, que convidam a criança a procurar as relações letra/som imediatamente depois da fase do reconhecimento do nome enquanto objeto compacto. 
Essa prática infantil que reproduz a experimentação do Arrastão faz surgir um funcionamento da escrita que leva em conta apenas a configuração gráfica, fora de qualquer relação letra/som. Essa configuração é, para Victor, diretamente ligada ao significado: sua consciência de si. Para ele o caractere /c/, sem valor sonoro, participa da constituição de seu nome tanto quanto os demais caracteres. O nome Victor, até então formado na sua língua oral apenas por um significado vinculado a uma concatenação sonora, se torna agora um signo mais complexo, formado por três instâncias: um significado, um significante sonoro e outro gráfico. A configuração gráfica funciona então sobre o modelo da língua oral. Nesta última a concatenação dos cinco fonemas [vitor] é vinculada pela língua portuguesa a um determinado significado. Do mesmo modo para a criança observada, os seis caracteres /v_i_c_t_o_r/ formam o nome dele. Tanto a conjunção de caracteres /v_i_c_t_o_r/ quanto a conjunção de fonemas [vitor] remetem à consciência de si do menino. Podemos chamar esse código de tipográfico ou mesmo de ortográfico (grafia certa); nele configuração gráfica e significado estão ligados pela norma portuguesa. 
Ora, essa prática infantil surgida na turma da Daniele aparece como um segundo momento, depois da etapa semiótica do uso da silhueta do nome, na qual a criança manuseia uma unidade compacta, ainda não passível de partição. Etapa presente na proposta da professora, quando ela convida as crianças a reconhecerem o nome de cada um no meio das tiras da classe inteira.
Curiosamente esse código “tipográfico” ou “ortográfico” aparece nos métodos vigentes ou nas pesquisas apenas como última etapa da alfabetização, através da “rota lexical” do método fônico ou da “fase “ortográfica” do construtivismo brasileiro e poderíamos acrescentar que ela nunca aparece nos analfabetos funcionais que permanecem presos ao sistema alfabético. Ao contrário, podemos dizer que o João Victor já está construindo uma consciência gráfica que o leva a considerar que qualquer caractere tem efeito sobre o significado. Claro, a prática de João Victor que reconstrói seu nome através da cópia deverá ser complementada por um domínio mais avançado do nome, o que ocorrerá apenas quando for capaz de escrever seu nome sem modelo, o que necessitará outras aprendizagens. 
Élie Bajard
2013/11/23

Um comentário:

  1. Ele não fez somente a correspondência das letras como qqr figura?Se fosse desenhos de objetos ele seguiria outra lógica?

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