Sendo relacional e dialógico e ao mesmo tempo singular, o ser humano se constrói no encontro com o outro e nos embates com as diferenças.
Diante dessa perspectiva personalista e relacional da constituição da identidade e das inovações propostas pela inclusão escolar, a ética que subjaz ao atendimento oferecido pelas instituições educacionais corre o risco de nos fazer cair nas armadilhas da diferenças. (Pierucci, 1999)
Conviver com o outro, reconhecendo e valorizando as diferenças é uma experiência essencial à nossa existência, mas é preciso definir a natureza dessa experiência, para não se confundir o estar com o outro com o estar junto ao outro.
Estar junto ao outro tem a ver com o que o outro é – um ser que não é como eu sou, que não sou eu. Essa relação forja uma identidade, imposta e rotulada pelo outro.
Estar com o outro tem a ver com quem é o outro, esse desconhecido, esse enigma, que tenho de decifrar, para saber quem ele é e que vai sendo desvelado, reconhecido na medida em que se constrói entre nós uma relação, um vínculo responsável por nossa constituição como seres que não se repetem e pela construção de identidades móveis, voláteis, não fixadas, nem de fora e nem de dentro de nós mesmos.
Não podemos negar que o nosso tempo é o tempo das diferenças e que a globalização tem sido, mais do que uniformizadora, pluralizante, contestando as antigas identidades essencializadas, como nos destaca Pierucci (1999). Temos o direito de ser, sendo diferentes e, se já reconhecemos que somos diferentes de fato, a novidade está em queremos ser também diferentes de direito.
Três pontos são fundamentais na articulação do tema que nos propusemos a discutir: a experiência da inclusão, a valorização das diferenças e a ética que sustenta os propósitos de inclusão escolar.
Mais do que a discussão em torno das diferenças e da igualdade, há que se considerar a experiência da inclusão. Essa experiência é ainda incipiente e muito recente nas escolas e demais instituições, para que possamos entendê-la com maior rigor e precisão.
A inclusão remete à consideração da diferença, como um valor universal, que é disponível a todos – desde os elementos de um dado grupo étnico, religioso, de gênero, à humanidade como um todo.
A valorização das diferenças, no entanto, nos leva a perguntar: a igualdade teria perdido o seu valor? Essa igualdade pela qual sempre lutamos, que exige o mesmo tratamento legal e político para todos, estaria sendo desvalorizada, em favor do culto à diferença?
Viver a inclusão e entender as diferenças – eis um desafio que não é dos mais fáceis a enfrentar, embora cada vez mais, desde a metade dos anos setenta, a nossa consciência esteja se abrindo para essa mudança, ou seja, para o fato de somos diferentes – haja vista a celebração da Consciência Negra, em 20/11/2001 e outras manifestações similares a que temos assistido, ultimamente.
Conquanto tenhamos e proclamemos nossas “convicções éticas” e nossos “procedimentos éticos” e pretendamos distinguir uma ação ética de uma ou antiética, o fato é que desconhecemos, na maior parte das vezes, os fundamentos que estão subjacentes aos nossos comportamentos, julgamentos e posicionamentos diante de uma causa. Agimos, segundo pressupostos filosóficos e valores, mas nem sempre somos cônscios do que está por detrás desse agir.
Onde estaria, então, a origem dos valores e exigências éticas, que regulam nosso comportamento social? Descobri-los implica em identificar os paradigmas que os sustentam.
As leis naturais e as positivas têm sido um caminho para quem busca essa identificação.
Em sua versão religiosa, a lei natural emana de um Criador e fundamenta-se na natureza. Na versão secular, seus princípios de base são os direitos fundamentais dos seres humanos, dos quais a educação é um deles. As leis positivas são uma reação à lei natural e surgem a partir do relativismo cultural; questionam a concretude das leis naturais, por serem as mesmas para todas as culturas e épocas da nossa história.
Sejam as leis naturais ou positivas, ao discutimos a inclusão escolar, a questão está em saber se seriam elas suficientes para nos esclarecer:
- que valores éticos iluminam as nossas ações, na direção da inclusão escolar, ou melhor, o que nos leva a lutar em favor de uma escola para todos?
- propostas e políticas educacionais que proclamam a inclusão estão realmente considerando as diferenças na escola, ou seja, alunos com deficiências e todas os demais excluídos e que são as sementes da sua transformação?
- essas propostas reconhecem e valorizam as diferenças, como condição que possibilita avanço, mudanças, desenvolvimento e aperfeiçoamento da educação escolar? Fonte
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