Vídeo de abertura do encontro:
Para Freire a educação deve ter uma visão global do aluno, com sentimentos e emoções, tornando relevante o estudo das dimensões ética e estética. A prática e a teoria freiriana, fundamentam-se em uma ética inspirada na relação "homem-no-mundo", ou seja, estar no mundo, e na construção de seu "ser-no-mundo-com-os-outros", isto é, ser capaz de se relacionar com as pessoas e com a sociedade (FREIRE, 2001c).
A expressão desta ética se dá nas formas da estética, no resgate e na busca de todas as formas de expressão humana - sua beleza estética própria e o aprimoramento destas expressões. Assim, conforme nos apresenta Freire, a beleza não é privilégio de uma classe, mas uma construção compartilhada por todos, precisando ser conquistada a cada momento, a cada decisão, por meio de experiências, atitudes capazes de criar e recriar o mundo.
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Freire aponta caminhos a serem percorridos ética e esteticamente na educação que perpassam desde a concepção da educação formal, ao compromisso, à coerência, ao respeito profissional e à mudança, na busca de sujeitos conscientes de seu papel numa sociedade democrática.
A educação, segundo o autor, visa à libertação, à transformação radical da realidade, para melhorá-la, para torná-la mais humana, para permitir que homens e mulheres sejam reconhecidos como sujeitos de sua história e não como objetos. Freire afirma que "Assumirmo-nos como sujeitos e objetos da História nos torna seres da decisão, da ruptura. Seres éticos" (2001:40). Corroborando com essa afirmação, Paulo Freire, realça a ideia de que:
"O que, sobretudo, me move a ser ético é saber que, sendo a educação, por sua própria natureza, diretiva e política, eu devo, sem jamais negar meu sonho ou minha utopia aos educandos, respeitá-los. Defender com seriedade, rigorosamente, mas também apaixonadamente, uma tese, uma posição, uma preferência, estimulando e respeitando, ao mesmo tempo, ao discurso contrário, é a melhor forma de ensinar, de um lado, o direito de termos o dever de "brigar" por nossas ideias, por nossos sonhos e não apenas de aprender a sintaxe do verbo haver, do outro, o respeito mútuo" (FREIRE, 2002, p. 78).
Uma educação que se mostra autoritária, não reconhecesse no aluno um ser capaz de transformar o mundo, não levam em conta a cultura do aluno e são menos eficazes para despertar o interesse do aluno. Como diz Paulo Freire, numa educação imposta:
"Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autêntico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca de algo que exige, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção" (FREIRE, 2001, p. 104).
Analisando-se a questão a partir da citação acima, fica evidenciada a importância das ideias de Paulo Freire, para uma educação contra a dominação, que favoreça suporte para o confronto de ideias, valores que impregnam as discussões, sobre o ensino. Percebe-se, aqui, um caráter extremamente abrangente.
Para Paulo Freire, a formação ética acontece na educação, mais precisamente na sala de aula, quando a sociedade, a escola, professor e aluno lutam por uma educação transformadora, dialógica e conscientizadora. Na perspectiva de Freire, alunos e professores são engajados numa dimensão crítica e criativa no processo da construção do conhecimento, onde todos ensinam e todos aprendem um processo criador e recreador ligados às próprias experiências existenciais e origens culturais. Tanto professor quanto alunos percebem suas realidades criticamente e criam conhecimento dentro e por intermédio do diálogo. Por esse motivo, o aspecto relevante da pedagogia de Freire é sua perspectiva epistemológica no processo de criar conhecimento; sua relação com as experiências existenciais e culturais (FREIRE, 2002).
O diálogo, como diz o autor, é imprescindível nesta luta por uma educação verdadeira, é um compromisso com o outro, e implica o reconhecimento do outro, e é ele que permite ao educador e educando mostrar-se autenticamente mais transparente mais crítico, cada um defendendo seu ponto de vista, e apresentando outras possibilidades, outras opções, enquanto ensina e/ou enquanto aprende. Em outras palavras, o diálogo é uma relação horizontal. Segundo Freire nutre-se de amor, humildade, esperança, fé e confiança. O diálogo é, portanto, uma exigência existencial, que possibilita a comunicação e permite ultrapassar o conhecimento adquirido, vivido. Nesta relação dialógica, ensinar e aprender são possíveis quando "o pensamento crítico do educador ou educadora se entrega à curiosidade do educando". (...) Mas, para isso o diálogo não pode converter-se num bate-papo desobrigado que marche ao gosto do acaso entre professores ou professoras e educando (FREIRE, 2002, p. 118).
Para Freire o ato de ensinar, de aprender e de conhecer é um caminho árduo, difícil, mas muito prazeroso. A escola não deve restringir a educação à pura descrição de conceitos em torno do objeto ou do conteúdo memorizados mecanicamente pelos alunos. Sua preocupação é a formação global dos alunos em que conhecer e intervir se encontrem. É preciso trabalhar as diferenças culturais e sociais, reconhecê-las sem camuflar. Os educadores e educandos precisam descobrir e sentir a alegria de se buscar o conhecimento, a curiosidade de aprender a aprender, porque educar é formar, incluindo, necessariamente, a formação moral do educando. Como nos mostra Freire, as consequências deste enfoque para o ensino são enormes. Convém salientar que:
"Ensinar é assim a forma como toma o ato de conhecimento que o (a) professor(a) necessariamente faz na busca de saber o que ensina para provocar nos alunos seu ato de conhecimento também. Por isso, ensinar é um ato criador, um ato crítico e não mecânico. A curiosidade do (a) professor (a) e dos alunos, em ação, se encontra na base do ensinar-aprender" (FREIRE, 2002, p. 81).
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Numa entrevista realizada por Ira Shor, a respeito da relação entre educação e a arte, Freire argumenta:
"Eu penso que no momento em que você entra na sala de aula, no momento que você diz aos estudantes, Oi! Como vão vocês?,Você inicia uma relação estética. Nós fazemos arte e política quando ajudamos na formação dos estudantes, sabendo disso ou não. Conhecer o que de fato fazemos, nos ajudará a sermos melhores" (GADOTTI, 1996, p. 509).
Aponta que o processo da educação é, necessariamente, um processo artístico. O professor é um artista quando cria e recria o conhecimento, compartilhados com os alunos. Neste aspecto a educação é, por natureza, um exercício estético. Evidentemente isto indica um novo modelo de pensamento para um novo modelo de educação:
"Outro ponto que faz da educação um momento artístico é exatamente quando ela é, também, um ato de conhecimento. Conhecer, para mim, é algo de belo! Na medida em que conhecer é desvendar um objeto, o desvendamento dá "vida" ao objeto, chama-o para a "vida", e até mesmo lhe confere uma nova "vida". Isto é uma tarefa artística, porque nosso conhecimento tem qualidade de dar vida, criando e animando os objetos enquanto estudamos" (FREIRE, SHOR, 1986, p. 145).
Diante do exposto, o compromisso do professor, do profissional, consigo e com a sociedade, é imprescindível para que se possa ser capaz de atuar, refletir, criar e transformar a realidade. O que se observa é que o professor educa mais pelo que ele é, pelos seus princípios que norteiam sua conduta, pelo exemplo, do que pelo conteúdo que ensina.
Junto à competência e ao comprometimento profissional, há ainda que destacar a necessidade do educador viver intensamente sua prática educativa, que será oportunizada também, por meio da coerência de suas atitudes e de seus valores. Assim, fica evidente o papel eminentemente político do profissional da educação, como diz Freire, "a força do educador democrata está na sua coerência exemplar: é ela que sustenta sua autoridade. O educador que diz uma coisa e faz outra, eticamente irresponsável, não é só ineficaz: é prejudicial" (FREIRE, 2001b, p.73).
Paulo Freire ressalta que a falta de coerência em sua prática educativa demanda desrespeito às diferenças do educando, à sua identidade cultural e/ou à sua criatividade. Ao professor, compete o respeito aos padrões culturais de classe, aos valores, à linguagem, ao conhecimento e especialmente a "forma de estar sendo de seus alunos" (FREIRE, 2002).
É dentro deste cenário que a escola precisa atuar com novos desafios aos educadores. Paulo Freire destaca a necessidade de uma ética para a diversidade. Uma sociedade multicultural, deve educar o ser humano a ser capaz de ouvir, de prestar atenção ao diferente, de despertar sensações, sentimentos, de respeitá-lo.
Freire reafirma a necessidade do respeito à nossa sociedade, o respeito à coisa pública, o respeito aos professores e aos alunos. É neste sentido que o autor aponta, "o ético está muito ligado ao estético. Não podemos falar aos alunos da boniteza do processo de conhecer se sua sala de aula está invadida de água, se o vento frio entra decidido e malvado sala adentro e corta seus corpos pouco abrigados" (FREIRE, 2000, p.34).
O respeito é uma condição indispensável aos fundamentos de uma escola, de uma sociedade democrática. Só assim, pode-se falar em princípios, valores, e na mudança da ingenuidade a criticidade. Mas, para que aconteça essa passagem, é necessário "uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas". Complementando, então "a prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de pureza" (FREIRE, 1996, p.36).O professor, que é consciente de seu papel formador, respeita a natureza do ser humano, e trabalha os conteúdos levando em conta, e principalmente respeitando, a formação moral e estética do educando.
Por isso o ato de educar é sempre um ato ético. Simplesmente não há como fugir de decisões éticas, desde a escolha de conteúdos até o método a ser utilizado ou a forma de relacionamento com os alunos. É nesse sentido, que Paulo Freire adverte o pensamento do professor que vê a ética apenas como uma disciplina filosófica afastada da realidade. A título de exemplo, as palavras de Freire são esclarecedoras:
"Gostaria, por outro lado, de sublinhar a nós mesmos, professores e professoras, a nossa responsabilidade ética no exercício de nossa tarefa docente. Este pequeno livro se encontra cortado ou permeado em sua totalidade pelo sentido da necessária eticidade que conota expressivamente a natureza da prática educativa, enquanto prática formadora. Educadores e educandos não podemos, na verdade, escapar à rigorosidade ética. Mas, é preciso deixar claro que a ética de que falo não é a ética menor, restrita, do mercado, que se curva obediente aos interesses do lucro (...) falo da Ética universal dos seres humanos, que condena o cinismo, que condena a exploração da força de trabalho do ser humano" (FREIRE, 1996, p.16-17).
Freire critica severamente a ética em que se leva em conta apenas os próprios interesses, que levam ao individualismo, negando a ética universal, vinculada à humanização, preocupada com interesses e bens coletivos.
As suas ideias pedagógicas fundamentam-se no fato de que o ser humano é inconcluso, que busca o saber, o conhecimento e o seu aprimoramento. A ética e a estética pressupõem uma mudança para enriquecer conceitos já estabelecidos, mas também para introduzir os novos que respondem a uma nova relação estética com a realidade. Este pensamento de Freire mostra que a busca do novo não significa o abandono total do velho: o movimento em direção ao novo poderia ser feito, resgatando os aspectos positivos do velho e, para que isso seja fecundo, não bastaria só a ação de mudança. Esta ação seria acompanhada com o querer, com a intencionalidade, com a vontade do querer fazer.
Por isso mesmo é que mudar é difícil, porque não envolve apenas o sujeito que muda, como também o outro. Daí que toda mudança é um conflito, é uma luta, porque:
"quem muda subverte. Por isso mesmo choca e, invariavelmente, passa a ser alvo de críticas e até de punições. Não há facilidades para quem se lança a este desafio. Suportar as pressões externas-além-das-internas- faz parte do intento. Certamente este é o preço a ser pago pela ousadia de ser diferente. Por causa disto, muitos desistem. É que, de um modo geral, não estamos habituados a arcar com o ônus da desobediência". (ROSA, 1998, p.16).
A coerência de Paulo Freire mostra-se nas opções éticas e estéticas que acompanham sua práxis. Como diz literalmente, o grande educador e mestre Paulo Freire:
"É preciso ousar, no sentido pleno desta palavra, para falar em amor sem temer ser chamado de piegas, de meloso, de a-científico, senão de anticientífico. É preciso ousar para dizer cientificamente que estudamos, aprendemos, ensinamos, conhecemos com nosso corpo inteiro. Com sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com esta apenas. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional" (FREIRE, 1993, p. 10).
O grande sonho de Paulo Freire era o de uma educação aberta, democrática, que estimulasse nos alunos o gosto da pergunta, a paixão do saber, da curiosidade, a alegria de criar e o prazer do risco, para possibilitar, então, a criação.